Mulheres das estradas. A paixão e os desafios das caminhoneiras brasileiras.

2 de abril de 2020/em ArtigosNotícias 

São 1.400 quilômetros, toneladas de óleo vegetal precisam ser carregados de Luziânia (GO) a Conceição da Feira (BA). Neste caso, para uma caminhoneira, não é apenas a distância o desafio, nem as condições do caminhão, mas o trabalho em um ramo ainda dominado por homens, os perigos das pistas e das paradas pelas cidades. 

O exemplo citado é apenas uma das milhares de cargas que percorrem o Brasil diariamente. Mais precisamente, de uma entrevista da caminhoneira Sandra Sasinski, 40, à revista Metrópolis em 2018. 

O cenário de mulheres apaixonadas pela estrada e que levam a vida como caminhoneiras vem ganhando espaço, e mais do que isso, valorização. Em um mercado que até poucos anos era dominados por homem, hoje as mulheres representam 6,2% desses profissionais. Pouco, bem pouco, mas uma porcentagem que representa muita luta para conquistarem seu lugar. 

“Quando fui alterar a carteira, na delegacia todo mundo parou para vir me ver. Falaram que eu era a primeira mulher a tirar a carteira para caminhão em Chapecó”

Diz a caminhoneira catarinense Duda Nervis no documentário Coração Viajante (2016) de Daniel Paulus e Vanessa Presotto. 

A surpresa segue como uma das principais reações quando se vê caminhoneiras chegando nas paradas, como postos ou restaurantes. Algumas recebendo até pedidos para fotos e frases de admiração. 

Contudo, a profissão exige muito mais do que os cuidados com a máquina, perigos das estradas, assédios e abordagens. A atenção deve ser intensa com a saúde, pois em entrevista com diversas caminhoneiras para sua tese de Doutorado, a pesquisadora Luna Gonçalves traz alguns dados sobra as principais queixas.

Humano e máquina – A conexão com o veículo

O uso da força física virou rotina. Nas viagens, ter que tirar e colocar lonas nas carrocerias e manobrar máquinas enormes faz parte das atividades. Entretanto, muitas delas já tratam o caminhão como parte de si, sentindo-se em conexão com a máquina e percebendo qualquer defeito, barulho ou movimento diferente que o veículo possa apresentar. 

É como se o caminhão se transformasse no avatar dessas caminhoneiras, que dirigem e movimentam as tantas toneladas como quem controla seu próprio corpo. Da mesma forma é a visão, que pelas rodovias do país conseguem identificar pequenos objetos no chão, e com tranquilidade desviar. 

O sonho de ser caminhoneira

Aline Moraes, caminhoneira há 20 anos, divide a boleia com seu marido, mas é ela quem fica mais tempo no volante. Atualmente esbanja alegria por estar dirigindo o tão sonhado Atego bitruck, e reforça que mesmo com todos os desafios, o sentimento de liberdade é algo inexplicável.

Foi esse sentimento de liberdade que transformou a curiosidade e vontade em amor pelas estradas, encanto que tem desde a infância. Quando questionada sobre o cenário desse mercado para as mulheres, Aline responde:

“As mulheres estão aos poucos conquistando o espaço delas, não é nada fácil, mas somos lutadoras. Somos mães, esposas, e estamos aí para mostrar que somos capazes. E a cada dia crescem o número de mulheres nas estradas, e a tendência é crescer mais. “

Porém, além do sentimento de amor pelo que faz, a caminhoneira reforça os desafios da profissão:

“O principal desafio é o preconceito por parte da maioria. Acham que essa profissão é para homens. Mas somos capazes, e estamos mostrando isso… É só nos dar uma chance.” 

Valorização de quem observa e atende

A valorização dessas profissionais não vem apenas de quem trabalha diretamente nas estradas, mas também de quem trabalha nos setores de auxílio. Por entre as áreas relacionadas aos veículos pesados, as frases de admiração pela coragem e carinho das caminhoneiras são encontradas. 

Essa admiração, porém, é ainda maior quando parte de outras mulheres. Que se identificam nas lutas e nos desafios, e tornam a valorização mais rica e bela. 

Quanto a isso, falamos com a Diretora administrativa aqui da Tecnoválvulas, Ana Paula Serafim. Ana já atendeu clientes caminhoneiras e conta o quanto se admirou com o que viu. 

“É nítido que elas amam o que fazem. Admiro muito a coragem delas, pois a maioria deixa a família em casa para cair nas estradas. Tudo isso para transportar o que nós necessitamos para o conforto da nossa família.”

A diretora administrativa, mesmo que não trabalhando nas estradas, também vive no mundo masculino dos caminhões, o que torna a empatia ainda maior. 

“Sinto um orgulho pela força e determinação delas, pois eu também vivo no mundo masculino dos caminhões, mesmo que de forma mais distante, mas posso imaginar as dificuldades encontradas por essas caminhoneiras…”

O número seguirá crescendo

O número ainda é pouco, quando comparado aos profissionais homens, mas está crescendo de forma ativa. Na última greve dos caminhoneiros, em 2018, pouco vimos de rostos femininos nas fotos; mas por trás das diversas manifestações, estavam elas organizando, montando grupos e administrando eventos pelo que lutavam. 

Somos, em Santa Catarina, o 4˚ estado com mais caminhoneiras do Brasil, com 5.479 registradas. Muito abaixo do Estado de São Paulo, por exemplo, com 143.652 caminhoneiras. 

Mapa

Aos poucos o número aumenta, mais mulheres se motivam por exemplos de coragem, e principalmente valorização. Ação é essa que é mais do que necessário para motivar novas profissionais. Além disso, possibilitar mais atenção de estabelecimentos. Pouco se via banheiros femininos em postos de gasolina, algo que já encontramos com mais facilidade hoje em dia. As lutas são muitas a serem conquistadas ainda, mas a admiração por elas deve ser constante. 

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Fonte:

Revista Metrópolis: Mulheres caminhoneiras superam preconceitos pelas estradas do Brasil

Documentário Coração Viajante.

Agradecimentos especial à profissional Aline Moraes por nos conceder a entrevista. 

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